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A FORMAÇÃO DO CARÁTER

  Você já deve ter ouvido alguém chamar uma outra pessoa de mau caráter. Já deve até mesmo ter considerado alguém como bom ou mau caráter. Mas afinal, o que é caráter? Como ele se forma?

    Os dicionários também tendem a considerar o caráter como uma forma de julgamento moral.

    Veja:

    Caráter: Conjunto de traços morais, psicológicos etc., que distinguem um indivíduo, grupo ou povo; índole; temperamento; qualidade; firmeza de atitudes.

   Mau caráter: quem demonstra maldade ou qualidades negativas de caráter; pessoa sem escrúpulo; que engana as pessoas sem o menor constrangimento; desvio de caráter (para o mal); diz-se daquele ou daquela que age sem decência, sem pudor, sem sensibilidade humana.

    Freud foi pioneiro ao observar que o caráter e seus traços podem ser explicados como sendo transformações permanentes dos impulsos primitivos, infantis.

   Wilhelm Reich foi o primeiro teórico que se preocupou em formular uma teoria coerente do caráter, onde dizia que “o caráter consiste numa mudança crônica do ego que se poderia descrever como um enrijecimento” (Reich, W. Análise do Caráter, 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 151).

   Nesse sentido podemos compreender o caráter como algo que se forma para manter uma estrutura necessária ao desenvolvimento do indivíduo, porém, quanto mais rígida e inflexível é a estrutura do caráter, mais esse caráter se transformará em uma resistência que tenta manter o material inconsciente fora de alcance, fazendo com que o indivíduo passe a reagir de modo automático como um mecanismo de defesa. Ou seja, o caráter não é uma escolha deliberada, ele se forma devido a necessidade do indivíduo se proteger do meio externo e dos conteúdos do próprio inconsciente. O caráter é uma reação àquilo que foi experimentado na infância. Cada caráter é único porque cada experiência é única.

   Caráter é a maneira a qual a pessoa se apresenta e se comporta em suas relações. É a atitude psíquica particular em direção ao mundo externo, específica a um dado indivíduo. É determinado pela disposição e pela experiência de vida, assim, podemos considerar tipos de caráteres onde se apresentam comportamentos mais ou menos ajustados à realidade e ao contexto social.

   Na visão reichiana, caráter seria a dimensão total das atitudes e ações individuais em relação ao mundo. Sua formação estaria ligada a diversos fatores, entre os quais os processos de identificação com as figuras parentais, o desenvolvimento psicossexual, a relação entre ideal de ego e ego e a receptividade do prazer em relação às restrições e identificações. A variação desses fatores, devido ao contexto social, cultural e sexual, a disposição herdada pelo indivíduo e as defesas que se formam durante a vida, poderiam aproximar ou afastar o caráter da neurose.

   O caráter é composto por atitudes e hábitos de uma pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações. Inclui atitudes, valores conscientes e comportamentos. Ou seja, é a maneira que a pessoa se expressa na vida, tanto na forma (postura, movimentos, expressões corporais, entonação da voz etc.), como no conteúdo (comunicação verbal).

   A finalidade do caráter é proteger o ego dos perigos internos e externos e, como função protetora, limita a mobilidade psíquica da personalidade. Essa função protetora podemos chamar de couraça de caráter, que se forma como resultado crônico do choque entre exigências pulsionais, o mundo externo que frustra essas exigências e a censura que impomos a nós mesmos.

   Poderíamos dizer que a formação do caráter inicia quando o indivíduo supera o complexo de Édipo (que ocorre na fase fálica, dos 3 aos 6 anos), pois haveria a elaboração do conflito entre os desejos genitais incestuosos e a frustração desses desejos, ou seja, os desejos amorosos que a criança experimenta em relação ao genitor do sexo oposto e os desejos hostis que experimenta em relação ao genitor do mesmo sexo. Se a criança se desenvolveu de maneira saudável, se os impulsos foram parcialmente gratificados e reprimidos de maneira equilibrada e as ações sofridas são incorporadas ao ego, este se torna forte e integrado, dirigido à realidade.

   Se os desejos genitais são muito intensos e o ego é fraco, ocorre o medo à punição e o ego se protege através dos recalques, que é um mecanismo de defesa que envia as ideias que são incompatíveis com o ego para o inconsciente. A consequência disso seria a formação de um caráter com atitudes de evitação do medo. Em ambos os casos, a formação do caráter cumpre funções econômicas de aliviar a pressão do recalque e fortalecer o ego. Essa base de reação na tentativa de proteger o ego torna a pessoa rígida e limitada em suas percepções e ações.

   A função econômica do caráter e suas resistências servem para evitar o desprazer e estabelecer e manter o equilíbrio psíquico - mesmo que esse equilíbrio seja neurótico - e, absorver as energias reprimidas. O caráter de uma pessoa se forma com base nos bloqueios sofridos nas etapas do desenvolvimento psicossexual e emocional. Um estresse sofrido em uma ou mais etapas poderá criar uma fixação em uma dessas fases e irá determinar o caráter ou os traços de caráter, ou seja, o conjunto de características que a pessoa vai adotar para funcionar na vida.

   O caráter tem relação com a maneira pela qual a pulsão (impulso de excitação corporal) e a frustração são elaboradas nas fases do desenvolvimento psicossexual. São elas:

    Fase oral (do nascimento até 1 ano): a interação primária da criança com o mundo é através da boca. A boca envolve a nutrição pela alimentação e nutrição afetiva, a criança obtém prazer na estimulação oral por meio de atividades gratificantes, como degustar e chupar. Envolve a satisfação da fome e da sede e as sensações do contato com a mãe na amamentação, estimulando funções como:  sugar, mastigar, comer, morder, cuspir etc. Se essas necessidades não são satisfeitas, a criança pode desenvolver uma fixação oral mais tarde na vida, cujos exemplos incluem chupar o dedo, roer as unhas, tabagismo, alcoolismo, compulsão alimentar etc.

    Fase anal (1 a 3 anos): envolve o controle dos esfíncteres anais e a defecação. Uma questão fundamental nessa fase é o aprendizado do uso do banheiro e a relação entre as crianças e os pais durante esse processo. Demasiada pressão ou um treino muito precoce pode resultar em uma necessidade excessiva para a ordem, a limpeza e o controle mais tarde na vida, enquanto que muito pouca pressão dos pais pode levar a um comportamento confuso ou destrutivo mais tarde.

  Fase fálica (3 a 6 anos): reconhecimento dos órgãos genitais e elaboração do complexo de Édipo. O principal foco da energia do id é sobre os órgãos genitais. Ocorre uma atração voltada para o genitor do sexo oposto, no sentido do desejo e do afeto. Para lidar com este conflito, as crianças adotam os valores e as características do genitor do mesmo sexo, formando assim o superego.

   Fase genital (puberdade, dos 13, 14 anos, até o fim da vida): seu desenvolvimento se dá durante a adolescência. Ocorrem mudanças corporais, há um retorno da energia libidinal aos órgãos sexuais e uma maior estruturação do ego. Nesta fase, as pessoas desenvolvem um forte interesse pelo sexo oposto. Se o desenvolvimento é bem-sucedido até este ponto, o indivíduo irá continuar a evoluir para uma pessoa bem equilibrada, com sentimentos tenros, sabendo expressar suas emoções de forma carinhosa, respeitosa.

   Vale lembrar que as fases citadas não compreendem rigidamente as idades mencionadas. Cada criança possui um desenvolvimento singular.

 

    Para Reich, as possibilidades das quais depende a formação do caráter são:

 

   "- a fase na qual a pulsão é frustrada;

    - a frequência e a intensidade das frustrações;

    - as pulsões contra as quais a frustração é dirigida;

    - a correlação entre permissão e frustração;

    - o sexo do principal responsável pela frustração;

    - as contradições nas próprias frustrações".    

     (Reich, W. Análise do Caráter, 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 156)

    Essas condições são determinadas pela ordem social dominante no que diz respeito à educação, moralidade, satisfação das necessidades, pela estrutura econômica e psiquismo dos pais e demais cuidadores.

    Existem ainda duas situações na constituição de um caráter:

   O caráter reprimido, onde a repressão agiria na diminuição da pulsão fazendo com que o organismo não consiga descarregar sua energia sexual, tornando uma pessoa rígida e imóvel e ainda podendo voltar sua agressividade contra ela mesma. Exemplo disso é a pessoa deprimida, que é incapaz de reagir perante a vida;

   E o caráter insatisfeito, onde a energia sexual não é totalmente descarregada. Essa impossibilidade de satisfação será sempre sentida como uma necessidade / impulso e este caráter correrá o risco de viver sempre nos excessos. Exemplo: se a pulsão sexual foi bloqueada / insatisfeita na fase oral, o indivíduo tenderá a se comportar bebendo em excesso, podendo chegar ao alcoolismo, fumando em excesso (tabagismo), comendo excessivamente etc.

   Se formos considerar uma avaliação de caráter, podemos pensar no “bom caráter” como um caráter saudável ou genital (sem bloqueios) e “mau caráter” como o caráter neurótico (que sofreu bloqueios durante as etapas do desenvolvimento psicossexual), porém, na visão reichiana, a própria ideia de caráter tem uma conotação negativa, pois indicaria uma estrutura rígida que não é flexível à mudanças.

   Caráter é comportamento característico, é expressão psíquica e corporal, seja ela mais contraída ou mais expandida, é uma possibilidade de ser e de estar no mundo. É a manifestação de uma pulsação energética que produz determinado tipo movimento.

 

Abraços

 

Alexandre Monçores Salvador

Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta Corporal

CRP 05/46554

 

 

Texto publicado no site Psiconlinews

 

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